terça-feira, 26 de maio de 2009

Como a Prostituição anda pelas cabeças do Senado Brasileiro

LEI E SEXO - A profissão mais nova do mundo


A PROSTITUIÇÃO DEVE SER REGULAMENTADA NO BRASIL?

Quem defende a proposta se apóia na idéia de que, ao dar transparência ao mercado do sexo, as prostitutas ficarão fortalecidas. Quem condena acredita que elas estarão sujeitas a mais exploração
Em alguns países, a prostituição já é tratada como qualquer negócio. A novidade é que a questão começa a ser discutida no Brasil. Quem abre o debate é o deputado federal Fernando Gabeira, autor de um projeto de lei que regulamenta a atividade e o comércio, hoje ilegal, em torno dela. Assim, bordéis e exploradores de mulheres funcionariam fora do crime. A psicóloga Nalu Faria, coordenadora de uma ONG voltada para os interesses da mulher, critica o projeto. Acredita que quem explora a prostituição ficará ainda mais fortalecido.

A revista Marie Claire convidou Fernando Gabeira e Nalu Faria para debater essa polêmica de difícil conclusão. A seguir, os melhores trechos das entrevistas.

NA HOLANDA, A PROSTITUIÇÃO É LEGAL HÁ QUATRO ANOS,MAS NÃO BENEFICIA AS IMIGRANTES - LUTA POR DIREITOS IGUAISFERNANDO GABEIRA, deputado federal (sem partido, RJ)

MC O que é o projeto de regulamentação da prostituição?
FG É a garantia de que os serviços sexuais sejam pagos. A prostituição seria uma prestação de serviços e as prostitutas teriam contrato de trabalho e plano de saúde.

MC Elas teriam direito a aposentadoria, férias, fundo de garantia?
FG Elas já podem contribuir com a Previdência, como profissionais do sexo, sendo autônomas. Mas deveriam ser registradas, ter salário, para ter os mesmos direitos de profissionais regulamentados.

MC E a situação das prostitutas que fazem ponto em esquinas?
FG Elas poderiam se tornar autônomas e formar cooperativas de trabalho para se fortalecer.

MC O projeto prevê que o pagamento pela prestação de serviços sexuais seja equivalente ao tempo em que a prostituta ficar disponível. Como isso vai funcionar?
FG Se ela for contratada para ficar duas horas com um cliente, receberá o equivalente a esse tempo. Se o cliente só quis conversar com a prostituta, deverá pagar pelo tempo que ficou com ela. Isso pode funcionar com um contrato, que pode ser verbal ou não, seguindo o mesmo padrão de um técnico que cobra por hora.

MC Como é possível controlar a jornada de trabalho?
FG Existem variáveis. No caso daquelas que trabalham em bordéis, pode existir um salário fixo, que independa do número de pessoas com quem ela saia, e comissões combinadas com o dono do estabelecimento. Na Alemanha, onde esta questão está amadurecida, existem lugares em que a prostituta trabalha com um piso salarial e ganha comissões, como se fosse um comerciante.

MC O que o levou a fazer o projeto?
FG Fiquei entusiasmado com idéias semelhantes avançando em outros lugares do mundo, como na Alemanha. Claro que não comparo a sociedade alemã com a brasileira. Mas achei que era possível introduzir essa questão no Brasil porque aqui há problemas sérios enfrentados pelas prostitutas. Elas podem ser vítimas de violência, passam por dificuldades. A aposentadoria, por exemplo, é vital para elas. Muitas, ao envelhecer, acabam se sujeitando a riscos maiores, como dispensar o uso do preservativo para não perder o cliente.

MC Qual é o seu envolvimento com o assunto?
FG Nasci e me criei em Juiz de Fora [MG], perto de um lugar em que prostitutas trabalhavam. Foi assim que passei a entender um pouco melhor a vida delas. Não mitifico as prostitutas como Jorge Amado, mas também não tenho uma visão preconceituosa. O fato de introduzir a discussão já dá a elas um pouco mais de força.

MC O seu projeto propõe a revogação de três artigos do Código Penal. Um deles tira do crime o homem que explora mulheres. Ele não estará sujeito a pena?
FG Qualquer pessoa que explore outra está sujeita a pena. Trabalho escravo está sujeito a pena. O que esse projeto permite é a instituição de um empresário ligado às prostitutas. O empregador não seria penalizado.

MC O projeto, então, institucionaliza o explorador de mulheres?
FG Essa figura já existe, mas será submetida a constrangimentos legais. Terá de prestar contas sobre o seu trabalho.

MC O projeto permite o funcionamento de bordéis, hoje um negócio ilegal. A idéia é criar locais para as prostitutas trabalharem?
FG Não é criar locais, mas não impedir que existam.

MC O senhor propõe ainda a revogação do artigo penal que se refere ao tráfico de mulheres. Acredita ser possível livrar do crime quem promove tráfico humano?
FG Claro que não. Obviamente não sou a favor do tráfico de mulheres. Isso deve ser bem explicado para não dar margem à incompreensão. Proponho a revogação desse artigo só por uma razão de ordem técnica: a legislação brasileira já prevê o crime de tráfico de pessoas. Qualquer tráfico de pessoa, seja mulher, homem ou criança, está no Código Penal. Tanto é crime levar mulheres para se prostituírem na Espanha quanto encaminhar qualquer outro trabalhador para os Estados Unidos e empregá-lo clandestinamente. Caso a prostituição seja regulamentada, o artigo específico perde a razão. O tráfico de mulheres continuará a ser punido, mas dentro do contexto de tráfico de pessoas.

MC Uma crítica ao projeto é que ninguém vira prostituta por opção.
FG Não concordo. Realmente as condições sociais têm um papel fundamental. Mas conheço mulheres que, mesmo não tendo se tornado putas por opção, desejam continuar na atividade. É uma objeção paternalista, como se elas esperassem para ser recolocadas na vida normal da sociedade. Se quiserem, ótimo. Mas não vejo razão de impedi-las de fazerem o que querem.
MC Tirando do crime o explorador de mulheres e os bordéis, não acha que a proposta vai beneficiar mais quem opera na ilegalidade?
FG Pelo contrário. A minha preocupação, e também a dos alemães, foi fortalecer as mulheres em relação aos empresários. Mas, se os empresários não forem regulamentados, daremos a chance apenas de existirem cooperativas, e mesmo uma cooperativa tem o seu presidente. Esse projeto pode beneficiar o empresário na medida em que ele entra na legalidade. Isso significa que ele estará sujeito à fiscalização, por exemplo, dos Ministérios do Trabalho e da Saúde. A proposta é permitir que existam, mas obrigando-os a atuar dentro da lei.

MC Na Holanda, onde a prostituição já é regulamentada, a crítica que se faz é que o submundo virou uma atividade legal.
FG Os holandeses têm uma visão mais realista da questão. Não acham que vão acabar com a prostituição. Pensam que, com a regulamentação, as prostitutas passam a sofrer menos riscos.

MC Quais os pontos mais polêmicos do seu projeto?
FG São três. O primeiro é a objeção feita por um grupo onde estão os católicos e os evangélicos. Eles dizem que a prostituição tem de acabar e um projeto desse tipo tende a perpetuá-la. Existem também os românticos, que acham que a relação sexual deve ser feita só entre os que se amam. O terceiro ponto é defendido pelos paternalistas, que acham que as mulheres só estão nisso porque não foram recolocadas em outra atividade.

MC Como vê a resistência ao seu projeto?
FG É compreensível. O Brasil é o maior país católico do mundo. Mas é a primeira vez que um projeto como esse tem a chance de ser discutido aqui. Tenho a esperança de levá-lo ao plenário até o final do ano.

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