quarta-feira, 27 de maio de 2009

FATORES INDIVIDUAIS: COMPONENTE PSICO-SOCIAL

A prostituta faz parte de um grupo humano que tem suas formas de vida, sua maneira peculiar de pensar e de relacionar-se, sua especial preocupação em defender-se...
1. Introdução

A prostituta faz parte de um grupo humano que tem suas formas de vida, sua maneira peculiar de pensar e de relacionar-se, sua especial preocupação em defender-se. Compartilha mecanismos de luta e de defesa ante uma sociedade que a explora, porém que ao mesmo tempo, lhe proporciona este meio de subsistência. Isto faz com que nos âmbitos da prostituição, junto à falta de integração dos grupos afetados – que chamamos desagregação -, se encontrem uma série de fatores individuais comuns.
Estes fatores individuais, podemos dizer que são:

§ Conseqüência de fatores sociais. Com a peculiaridade própria já citada, entre os fatores individuais e sociais.

§ Descrevem como é a mulher. Aproxima-nos do “seu modo de ser” e sua forma de relacionar-se.

§ E, sobretudo, nos explicam por que a mulher permanece nesta atividade.

Por último, quer assinalar que a prostituta é considerada como uma pessoa dinâmica, em processo, capaz de atingir a superação e a reconstrução de si mesma.

2. Sistema relacional

O ser humano é construtivamente relacional. Daí a necessidade de conhecer o sistema relacional da mulher prostituída. Que relações vive a mulher no núcleo sócio-familiar e no âmbito da prostituição?
Que relações estabelece posteriormente com seu companheiro, com seus filhos, com o restante da família?
Sabemos que, desde a experiência relacional básica de proteção afetiva e efetiva nos primeiros anos, vão surgir os processos de diferenciação do Eu e a consolidação de sentimentos e atitudes que condicionarão o crescimento da conduta e personalidade. Porém vemos que, nestas mulheres, um determinado estilo de relações é um elemento que, em lugar de possibilitar o crescimento, muitas vezes gera uma deterioração e desestruturação da personalidade.
Lembra-nos uma das rupturas que assinalamos no princípio e que afeta a trama social. O nascer, crescer e amadurecer numa família desestruturada, que transmite na infância relações fragmentárias, marcadas pela agressividade e o abandono, dificulta a aquisição de modelos de identificação adequados. Inclusive ocorrem em certas ocasiões, a confusão de laços de parentesco em famílias desnuclearizadas. Dita confusão não permite comunicar as referências essenciais para cimentar a vida psíquica. (Sem contar todo o tema de maus tratos físicos e psíquicos, de abusos sexuais e violações.).
Antes temos de lembrar tudo o que supõe o viver de novo a relação no mundo da prostituição. Encontramos-nos num âmbito onde a mulher é tomada como objeto. A objetivação sexual não permite a interação. Troca-se a comunicação, o afeto, a ternura... pelo dinheiro; existe uma remuneração. Podemos falar de relações comerciais em lugar de relações afetivas.
Se antes vimos que na infância não há modelos adequados de referência, agora, na realidade da prostituição, observamos que precisam de grupos de correspondência – desagregação – Daí o sentimento que expressam de pertencer a todos e a ninguém. Também se sente à necessidade de possuir alguém ou algo de quem cuidar e que lhes pertença: filho/a, cachorro, gato, companheiro... – Esta forma de enumerar, não é coincidência-.
Esta trajetória relativa vivida pela mulher configura seu modo de relacionar-se? Com a continuação podemos imaginar.

§ Relação de maternidade

Como é a relação que a mulher estabelece com suas filhas e filhos? Os filhos são um tema central em sua vida, considerados de sua propriedade. Observamos também certa dificuldade em nível de capacidades para assumir a responsabilidade como mães e para dar-lhes a educação que precisam.
Muitas vezes é algum familiar ou instituição, inclusive as chamadas “cuidadoras” – hoje em dia em menor grau – quem assumem o cuidado e educação das crianças, sendo as mães as encarregadas de proporcionar recursos econômicos. Visitando-os com certa freqüência, a mãe oferece uma relação efetiva intensa, porém instável e sem limites. Na medida em que se vai observando a necessidade de intervenção nestes bairros marginais, com recursos sociais distintos, se patenteia a integração das crianças nos Jardins de Infância e Escolas Públicas, superando os medos que às vezes as mães têm de perdê-los.
Os modelos educativos transmitidos pela escola e instituições adjacentes – casas de campo, locais de lazer... e a família, na maioria das vezes de apenas um laço de parentesco, diferem. Assim o crescimento, a educação voltam a ser desestruturado, deficiente e carente.
Comumente a mãe oculta sua atividade de prostituta, aos filhos. Há uma experiência que se dá apenas na adolescência, que eu gostaria de comentar por ser um momento crucial. Os filhos se dão conta que na vida da mãe há anomalias que até agora haviam sido mais fácil ocultar. Descobre que sua mãe exerce a prostituição. Têm vivido um nível de vida baseado em determinados ingressos econômicos de satisfações imediatas, que agora entra em conflito com o desejo de que a mãe abandone a atividade. Isto leva o adolescente a viver uma grande frustração e contradição.

§ Relação com o companheiro/marido, parceiro que convive no núcleo familiar.

Companheiro com problema semelhante. Não é fácil compreender a relação existente numa parceria, quando este permite à mulher continuar na prostituição e o aceita. Pode dar-se uma relação de igual para igual? Sucedem ser relações de domínio. Ao mesmo tempo em que a mulher “mantém economicamente o companheiro e o necessita afetivamente, este lhe oferece sua proteção e apoio com um excessivo sentido de possessão”. São relações que criam dependência afetiva. Não é fácil romper o vínculo. Apesar da relação agressiva e distante que se estabelece. Podemos pensar que existem uns defensores ou esquemas de relação que se reproduz o modelo vivido nas primeiras relações. Isto não é determinante, porem há uns fatores de risco maiores que se tornam agudos, conforme se repetem as relações.

§Relação com a família grande

Estas relações geralmente tende a se romper nos primeiros anos quando a mulher inicia esta atividade ou senão começam por distanciar-se.
O medo e a culpa vivida faz com que os vínculos familiares vão desaparecendo. Também é certo que depois de vários anos, ante a insatisfação, solidão e desamparo, volte o desejo de recuperar o perdido e estabelecer de novo os laços familiares.
Cabe assinalar que nos primeiros anos, ajudaram economicamente a família e ajudaram a melhorar sua situação. Hoje vivem dolorosamente e sentem-se sós e necessitadas.

3) Isolamento

O deficiente mundo das relações e o fechado âmbito geográfico – gueto – determina um isolamento muito peculiar (que é o ponto seguinte que vamos abordar), além da exclusão social com o estigma que caracteriza esta atividade.
A mulher vive uma fixação existencial. Seu mundo vital é totalmente recortado. Sua vida se desenvolve principalmente, no círculo onde vive e trabalha. Suas aspirações, expectativas, possibilidades, são mínimas. Também apresenta uma dificuldade para o movimento físico que reduz seu crescimento pessoal.
Por exemplo, depois de vários anos vivendo na mesma cidade, é freqüente o desconhecimento que têm dos lugares mais importantes: parques, centros cultural-recreativos... Este fator tem conseqüências muito sérias ate a possível integração social que se seja obter.



4) Autoestima: desmotivação

A experiência de marginalização afeta os dinamismos vitais, produzem uma ruptura vital. Influi diretamente na autoestima.
Sempre observamos à baixa autoestima que tem a prostituta, causada, não só pela questão do gênero – que a todas as mulheres afeta -, sendo agravada por sua própria realidade. Uma desvalorização que observamos constantemente. Sem esquecer que “a falta de expressão da sexualidade subjetiva transmite a sensação de que no interior da pessoa não se constrói nada, de que está vazia”. Pois a mulher não consegue se satisfazer sexualmente, não se entrega a nível pessoal, se subordina ao cliente, ao que ele pede, ela não nega. Se dá ma mescla de sentimentos de tristeza, culpa, sentimento de fracasso, frustração, perda de afetos, impossibilidade de fazer outra atividade, esta. Escutamos expressões que o refletem: “Ao que hei perdido tudo, não resta nada, que mais posso perder”, “o que vês é uma mascara”; “por dentro pareço com uma casa vazia”... E outro aspecto que vivem com especial impotência é a educação de seus filhos. Se perguntam: “Que os podem pedir, se eu estou aqui”.
Há um acúmulo de vivências que anula progressivamente a autoestima e nos explica a contínua desmotivação que aparece na mulher. (A motivação é imprescindível na elaboração de estratégias de atuação social).
Neste fator, também cabe assinalar: os mecanismos de defesa que desenvolve a mulher, ao ver-se obrigada a preservar seu Eu. Entre eles estão principalmente o amadurecimento de relativizar “o traumático”, “doloroso”. “A negação de tudo que as vá deteriorando – dificuldade para tomar consciência de suas deterioração”. Outro mecanismo é auto-justificativa e viver a dualidade, separação do Eu. Por último a fuga que muitas vezes as leva ao consumo do álcool, ao jogo. Elementos que agravam ainda mais sua personalidade.

5. Problema de identidade “dupla identidade”

Atualmente estamos numa sociedade onde “os modelos dominantes convidam mais a viver com um corpo fragmentado, à dupla identidade, que a uma identidade única”.
Se a isto acrescentamos os interrogadores que a todo minuto nos surgem e que Lopes Sanches formula assim: Pode a mulher prostituída dividir-se entre o trabalho, - para mim séria atividade – e a vida pessoal...? Se o núcleo da prostituição é a troca de intimidade corporal, pode esta exercer-se sem grandes custos emocionais?”“... A instabilidade emocional, uma emotividade “desproporcional que apreciamos”... tem alguma relação com as questões anteriores?
A frase que à amiúde escutamos: “aqui sou uma puta, porem fora daqui, nem me conheces, sou uma senhora"” é difícil de compreender e nos leva a um mecanismo de defesa maior que a possibilidade de separar a vida pessoal da atividade que realiza.
É certo que os diferentes tipos de prostituição: “empregadas domésticas”, alta prostituição,... baixa prostituição têm uma concepção diferente da atividade que realizam. As condições são variadas... É mais fácil separar a vida pessoal e a atividade de uma estudante que se prostitui, para conseguir ingressos econômicos, para os estudos, que a uma mulher imersa continuamente em bairro chinês. Esta última sofre uma maior deterioração, porém a divisão que padece a estudante não determina desequilíbrios posteriores? Como pode ver-se, estamos diante de um tema complexo que necessita sempre de aprofundamento.

6. Sem perspectiva de futuro

Observamos a prostituta presa no presente imediato, e que comumente chamamos “viver o dia”. É certo que o passado lhe doe e trata de esquecê-lo, olvidá-lo. Às vezes que conserva certa nostalgia de “se pudesse voltar atrás”, “se soubesse”..., etc. E o futuro é um mar incerto, sua perspectiva de futuro á irreal, não conduz a uma implicação real dela mesma. Esta dificuldade de projeção do futuro o “ideal do Eu”, é compreensível si nos recordamos do tema da identidade e da vivência do Eu real que tem uma prostituta.
Encontra-se num círculo que a envolve: ganha dinheiro, o gasta num dia, necessita de novo e a vida está toda ela girando ao redor da atividade que desenvolve. Sua escala de valores necessidades, aspirações... é cada vez mais restrita. Quando tem um desejo de troca, sua dificuldade para alcançá-lo produz uma sensação de fracasso, culpa impotência, insatisfação, notória. Este “sentir-se presa” leva-a a uma postura resignada: “sempre terei que estar aqui”, é uma frase que a mulher verbaliza amiúde.
As conseqüências desta situação afetam progressivamente sua personalidade.

7. Imagem

A atividade a que se dedica à prostituta requer cuidado da imagem para seduzir e “vender o produto”. Este cuidado está motivado, em múltiplas ocasiões, pela atividade da prostituição, e em menor grau, por suas próprias necessidades, qualidade de vida e saúde em geral, É um dos elementos que serve à sociedade para identificar e talvez “ridicularizar a mulher”... Porém é necessário, penetrar nas conseqüências que produz nela a excessiva atenção deste gesto em detrimento de outros.
E assim, quando vão passando os anos e começa a perceber o sinais próprios da velhice, o vive com grande sofrimento, não lhe é fácil assumir as deficiências. Um aspecto prioritário da pessoa durante sua vida, decai e termina problemático pelo lugar que ocupa na escala de valores.
Inclusive não é hora de entrar no tema, mas gostaria de recordar a dificuldade de assumir a imagem corporal que têm aquelas pessoas que trocam de sexo – transexuais – e exercem a prostituição.

8. Drogas, álcool, AIDS.

Somente como uma divisão supracitada, menciono estes três aspectos por sua influência no âmbito da prostituição há muitos anos.
A prostituição é o meio utilizado por algumas jovens toxicômanas para conseguir recursos econômicos para comprar a droga.
A droga tem produzido trocas nos bairros onde se exerce a prostituição de rua. De tal maneira, que há zonas específicas para a toxicômanas, onde também em conseqüência, há pontos de venda. Determina uma maior insegurança e, por conseguinte, uma oposição do entorno social e da própria prostituição clássica.
Não pode dizer-se o mesmo do consumo de álcool. Enquanto a jovem toxicômana se prostitui para manter sua adição à droga, o álcool é consumido pela prostituta, uma vezes porque o requer o exercício mesmo da prostituição e outras, como paliativo que a impulsiona a enfrentar a atividade. É fácil escutar este comentário: “há coisas que estando bem não faria, e com alguns copos fico mais decidida, com mais coragem.”.
Em certa medida, a prostituição, inclusive a clássica, requer o consumo de álcool. A mulher deve levar o cliente a beber, pois os bares e locais de espera, assim o exigem. É mais um problema para a mulher.
AIDS – é uma enfermidade que a prostituta vive com preocupação. a forma de conceber e situar-se a mulher ante esta enfermidade não é a mesma hoje que há alguns anos. Sua consciência de prevenção é maior.
E já que é uma causa de discriminação para a mulher a convicção de que seguimos considerand0-a causa excessiva de contágio, cito a afirmação que F. Bayés faz em seu livro AIDS e Psicologia: “talvez valha a pena recordar, devido à tendência social existente para culpar as prostitutas que em muitas ocasiões, são os clientes os verdadeiros culpados da difusão do HIV com sua exigência de manter relações sem preservativo”.
Uma análise objetiva da prostituição requer ver o cliente com um fator necessário. Isso implica que ele não pode continuar no anonimato. Deixá-la a margem supõe uma visão unilateral do problema.
Para finalizar, diremos que a análise realizada mostra que existem uma série de fatores de ordem estrutural, como são o econômico, sócio-político, ideológico e cultural. Todos eles influem e determinam o fenômeno da prostituição. Portanto as estratégias de intervenção devem dirigir-se e incidirem nesta situação global.
JIMÉNEZ Ângela Corduente. OSR La mujer marginada cuestión de género, no de sexo, 1995,PS. Editorial-Madrid,P.40-47.

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