segunda-feira, 20 de julho de 2009

Magdala, julho – 2009

Prostituição: Quanto mais cedo melhor...

A prostituição no Brasil é um dos problemas sociais mais vergonhosos, pois, como já diz o nome afeta a classe mais "ingênua" da sociedade. Atualmente no município de Campo Grande/MS o tema não é muito discutido pelas pessoas, até porque há quem ainda duvide da existência das redes de tráfico humano envolvendo meninas, adolescentes e mulheres para o trabalho escravo da prostituição na cidade.
Apesar de ocorrer de maneira mais "isolada", de ser algo mais fechado ou não tão divulgado, é uma realidade que se deve atentar todo cidadão, inclusive o do Reino de Deus. Segundo dados do Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente existem denúncias de aproximadamente 10 casos por mês. A prostituição infantil está em todas as classes sociais, mas há uma incidência maior na classe menos favorecida, devido à parca base educacional, financeira, sócio-estrutural e espiritual que a família oferece aos filhos.
Traçar o perfil da prostituição feminina no Brasil constitui tarefa diretamente associada a uma vasta gama de fatores que se interpõem como desafios a serem superados. As dificuldades da tarefa têm a dimensão do País e são permeadas pela pluralidade da riqueza humana que define sua população. Qualquer tentativa de se traçar o perfil brasileiro da prostituição feminina, terá que observar atentamente alguns fatores de interferência, caso contrário, corre-se o risco de fornecer uma visão deformada da multiplicidade disponível. Neste contexto alguns elementos são determinantes, como:
1. As modalidades variadas no exercício da profissão;
2. A dimensão continental do País;
3. A diversidade das condições sócio-econômicas e culturais;
4. A inexistência de dados específicos sobre profissionais do sexo nos serviços de saúde;
5. A insuficiência de dados nos levantamentos realizados sobre esse segmento em particular.
Respeitando essas dificuldades, a sistematização da proposta incidiu, inicialmente, sobre três tópicos que longe de se esgotarem, pretendem modestamente, rascunhar uma possibilidade de entendimento sobre a dinâmica vinculada às profissionais do sexo no País.
O primeiro fornece informações gerais sobre as leis que vigoram no País quanto ao exercício da profissão e de que maneira interferem no cotidiano das profissionais do sexo, incluindo algumas perspectivas relacionadas às possibilidades de desdobramento.
O tópico seguinte traça um resumo histórico do movimento de classe no País e no mundo, objetivando não só definir o perfil da organização e como se deu a criação das associações de profissionais do sexo, mas também abordando a contribuição dessas associações no âmbito das ações específicas de prevenção às DST/HIV/Aids.
O último tópico, descreve as principais modalidades vinculadas ao exercício da profissão, levantando informações sobre as práticas sexuais, os valores atribuídos pelo mercado e as interferências socioeconômicas sujeitas à profissão.
O quarto tópico deste capítulo relaciona as iniciativas implantadas no âmbito da assistência e prevenção às DST/HIV/AIDS junto às profissionais do sexo. Como objeto da análise processada, tomou-se como base tanto as ações governamentais como aquelas das associações de classe e de outras organizações não governamentais. A expectativa é não só retratar este cenário em nível nacional, considerando determinado período, mas também incentivar a formulação de novas propostas que possam efetivamente ampliar a abrangência da cobertura até hoje efetivada.
A partir dessas prioridades, a prostituição feminina foi contextualizada no cenário nacional, observando tanto fatores de ordem socioculturais quanto as características relacionadas à epidemia pelo HIV. Certamente, é necessário considerar nesse quadro, o histórico dos temas referendados para um maior entendimento sobre a inserção desse segmento específico da população no País. Neste sentido, ressalta-se a estigmatização e a discriminação sofridas, ao longo da história, pelas profissionais do sexo. O papel de "transmissoras naturais das DST" imposto por uma sociedade dirigida por padrões masculinos e opressores, associado aos primeiros conceitos aplicados quando do surgimento da epidemia pelo HIV, não podem deixar de ser considerados na análise dos temas aqui propostos.
Por um lado, o incremento das discussões sobre gênero e sexualidade, a maior vulnerabilidade da mulher em relação à infecção e as atuais tendências epidemiológicas do HIV/Aids, se inscrevem como fatores que contribuíram para a alteração de comportamentos e/ou diminuição de atitudes discriminatórias. Por outro, esses mesmos elementos foram fundamentais no processo de promoção de maior cidadania e garantia dos direitos humanos às mulheres profissionais do sexo.
Cabe ressaltar, no entanto, que independentemente dos avanços no campo da discussão sobre a legalização da profissão, da prevenção às DST/HIV/Aids e, da conscientização e mobilização da classe, dois fatores ainda sobressaem:
O primeiro está vinculado às características socioeconômicas das diferentes regiões brasileiras, que determinam para algumas áreas poucas diferenças contrapondo o avanço obtido em outras, restringido desta forma a possibilidade de crescimento.
O segundo, diz respeito ao muito ainda a ser feito para garantir o direito à saúde, ao trabalho, à informação e à educação das profissionais do sexo, promovendo não só uma sociedade mais justa e igualitária, mas também ações eficazes e eficientes de combate à epidemia.

Tipos de Prostituição
O fator econômico é o determinante mais comum de ingresso na prostituição, sendo seguido pelo fim do casamento e pelo abandono da família, associados à dificuldade de integração no mercado de trabalho.
Geralmente existe a expectativa por parte das mulheres, de que a permanência na prostituição seja transitória, alimentada pela esperança de conseguir outro tipo de trabalho, voltar a estudar, encontrar um companheiro e casar. Assim, para grande parte das profissionais do sexo a prostituição é ainda considerada como uma estratégia de curta duração, coincidindo com a transitoriedade das dificuldades enfrentadas na manutenção pessoal e de seus filhos.
A baixa escolaridade somada às dificuldades financeiras ou à pobreza absoluta, integra os obstáculos, quase intransponíveis, para a integração das profissionais do sexo no mercado oficial de trabalho. Para aquelas que pertencem às camadas sociais mais baixas, as perspectivas de mudança de atividade ainda são menos viáveis em virtude da baixa (ou nenhuma) escolaridade e a falta de qualquer qualificação profissional.
A invisibilidade das profissionais do sexo no sistema oficial de saúde, em relação às DST/HIV/Aids, se estabelece a partir da ausência de variável específica no instrumento de coleta de dados de notificação. Acrescenta-se a este fato o constrangimento dessas mulheres em se identificarem enquanto profissionais do sexo quando atendidas nos serviços de saúde. Essa prática muito utilizada evita a exposição pessoal ao possível preconceito que os profissionais de saúde podem apresentar ao atendê-las.
Na maioria das vezes, principalmente com as mulheres as quais geralmente acompanho para atendimento médico, mesmo sendo elas profissionais do sexo, se auto-identificam como donas-de-casa, empregadas domésticas ou comerciárias, na tentativa de garantir um atendimento mais digno. O que é totalmente compreensível!
Ao longo desses quase 3 anos de trabalho aqui em Campo Grande, observei que a violência física é presença constante na vida das profissionais do sexo e, se expressam nas relações com clientes, cafetinas, taxistas e policiais.
Existem indicadores de ausência ou diminuição da violência física nas áreas de prostituição abrangidas pela ação, seja de associações de classe ou ONGs, em algumas regiões do país, mas, aqui em Campo Grande, este ainda é um elemento fortemente associado à profissão.
O maior perigo enfrentado no cotidiano é a intensidade e a freqüência de práticas agressivas que permanecem impunes, e contribuem para que a violência seja considerada pelas próprias profissionais do sexo. Além dessa violência característica do trabalho, a presença de um estupro inicial é também um fato recorrente nas histórias pessoais, sendo muitas vezes responsável pelo ingresso na prostituição. Frente a esses fatores de vulnerabilidade imediatos e cotidianos, as DSTs e a Aids passam a ser secundárias na percepção dos riscos vinculados à profissão!
Mesmo considerando essa realidade, e embora não tenham muitas vezes um conhecimento claro sobre todas as formas de transmissão das DST/HIV/Aids, as profissionais do sexo estão bem informadas sobre a importância do preservativo no exercício da atividade profissional. Por outro lado, de forma a preservar a clientela e a própria sobrevivência, tanto a Aids quanto as outras DSTs se apresentam como doenças do "outro", distanciando sempre a possibilidade de infecção na prática pessoal ou profissional.
Assim sendo, pode-se identificar como satisfatório, o conhecimento das profissionais do sexo quanto à necessidade de uso do preservativo com seus clientes, apesar da baixa assimilação de informações mais amplas sobre a transmissão e a prevenção das DST/HIV/Aids.
Outro fator que amplia a vulnerabilidade das profissionais do sexo para as DST/HIV/Aids é a presença marcante do uso de drogas, que são consumidas por um contingente significativo de mulheres. Há registros constatando que a grande demanda de drogas está associada ao efeito deturpante da consciência promovido pelo uso de álcool, anfetaminas, cocaína e crack no desempenho diário da profissão. As drogas são, geralmente, consideradas substâncias aliadas capazes de abrandar as dificuldades cotidianas que elas enfrentam, principalmente no que tange ao cumprimento da longa duração da jornada de trabalho. Complementando esse quadro, existem ainda as profissionais do sexo que definem a prostituição como a sua principal fonte de sustento para o consumo de drogas, injetáveis ou não. Nesse caso, a dificuldade que enfrento para tira-las desse ambiente vicioso de droga-prostituição dependente fica difícil somente pela interferência que geralmente existe pelos traficantes.
Tanto é que não posso ir à rodoviária até o fim de setembro desse ano. E isso dói muito no meu coração.
A principal variável que permite traçar o perfil socioeconômico das mulheres que exercem a prostituição é o valor cobrado pelos programas. Esse "valor" será determinante na classificação da profissional do sexo, uma vez que oscila de acordo com a região geográfica, o tipo de profissional e as diferentes modalidades dos programas sexuais comprados. Considerando como parâmetro a prostituição tradicional exercida em ruas ou casas fechadas em áreas metropolitanas das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste o valor do programa pode ficar entre R$ 5,00 e R$ 20,00. Por outro lado, nas Regiões Sul e Sudeste, nessa mesma modalidade, o programa fica em torno de 10,00 a 30,00 reais.
Aqui em Campo Grande, uma mulher em situação de prostituição de rua cobra R$ 50,00 por programa, (ou seja, uma relação sexual apenas e não por hora na companhia do cliente). Isso ocorre nos horários e datas específicas como no início do mês e até as 23h pois, há um aumento considerável tanto na circulação de dinheiro na cidade como de clientes dispostos a pagar esse valor. Excluindo essas condições os valores caem consideravelmente podendo chegar, inclusive, a trocas de programa por caronas até suas residências.
Se focarmos as áreas de prostituição que possuem características específicas – como nos garimpos, carvoarias, usinas (aqui no MS essa última é muito cotada por esse tipo de atividade sexual) – não há, nem mesmo, uma remuneração concreta: as profissionais do sexo são atraídas por promessas de elevados lucros, ficando, no entanto, condicionadas ao pagamento de intermináveis dívidas referentes às despesas de alojamento, medicação, consumo de bebidas alcoólicas, alimentação e vestuário. Em contrapartida, se dirigirmos nossa atenção às casas de massagem daqui da cidade, podemos identificar profissionais do sexo com renda semanal mínima em torno de R$ 300,00.
Para fins de comparação e estudo, se realizarmos uma média dos diferentes valores dos programas cobrados no País, o preço da prática sexual tradicional (coito) varia de R$20,00 a R$ 30,00. A inclusão de práticas diferenciadas da tradicional, ocasiona um acréscimo no valor a ser cobrado: o serviço completo convencional (incluindo felação), por exemplo, pode variar de R$40,00 a R$80,00.
É importante considerar como elemento diferencial no estabelecimento do preço do programa e na adoção de comportamentos mais seguros em relação às DST/Aids, a multiplicidade das categorias e/ou modalidades para o exercício da prostituição. Essas categorias são determinadas tanto pelas características pessoais da profissional do sexo, quanto pelo local onde atua. Conjugando esses dois fatores, podemos observar que as profissionais que trabalham nas ruas, assim como aquelas "mais velhas" (acima de 25 anos) são menos procuradas e, por conseqüência, estabelecem preços menores em comparação com aquelas mais jovens, que atuam em boates ou casas fechadas. Esta situação além de refletir o ciclo de prostituição da mulher (quanto menor o tempo na prostituição mais valorizado o preço do programa) revela a flexibilidade de comportamentos a que estão sujeitas em função da manutenção da sobrevivência.
As profissionais do sexo que trabalham em boates ou casas fechadas têm um discurso onde a auto-representação e a auto-estima são bastante positivas. As informações sobre a prostituição de alta renda são muito difíceis de obter devido, principalmente, ao sigilo mantido em relação aos clientes atendidos. Essa modalidade da profissão é freqüentemente encontrada em fechadas "casas de massagens" ou em "agências" especializadas.
Um dos desdobramentos dessa categoria é a presença de profissionais do sexo denominadas "garotas de programa" ou "scort girls", que também constituem um segmento à parte, com características bem peculiares.
Devido às características geográficas e culturais do País, o sexo-turismo é uma das modalidades que vem se consolidando na rotina da profissional do sexo, sobretudo naquelas das regiões balneárias (como Coxim, Porto Murtinho, Jardim, Bonito e Corumbá). Aliado a este fato, o empobrecimento crescente da população feminina, tem incrementado a prostituição atrelada ao sexo-turismo. Os clientes-estrangeiros, que também sustentam essa prática ilegal da prostituição, não compõem um grupo homogêneo.
Em algumas cidades portuárias como Porto Murtinho e Corumbá há a predominância de trabalhadores (marinheiros que circulam nos pontos de prostituição de baixa renda próximos ao porto). Em cidades cuja economia está fortemente baseada no turismo como Bonito e Corumbá, ou ainda, as várias regiões onde existem hotéis-fazenda ou Pesqueiros, os clientes consumidores do sexo-turismo são homens de meia idade de vários estados brasileiros e também de países europeus e/ou latinos, que agenciam suas viagens a partir da negociação de pacotes "turísticos" com forte apelo sexual.
A definição de um perfil da profissional do sexo no Brasil e em Mato Grosso do Sul é extremamente difícil, uma vez que existem vários tipos e categorias da profissão, estabelecidas a partir de variáveis pouco definidas. A precariedade econômica e o difícil acesso aos serviços de saúde e educação, vêm contribuindo para diminuir ou anular a estrutura familiar das classes menos favorecidas ao longo das últimas décadas.
Uma das conseqüências dessa realidade é a presença de um "incentivo" suplementar ao ingresso na prostituição para as mulheres da faixa etária de 15 a 26 anos. Assim, a profissão deixa de ser uma opção individual, para se impor como única alternativa na busca da sobrevivência. Horrível, mas real.
A exemplo do que acontece com a população brasileira de uma forma geral, a preocupação diária com a subsistência (fundamentalmente alimentação e moradia), não permite que a saúde seja inscrita como uma prioridade no cotidiano da profissional do sexo. Desta forma, a efetiva alteração em qualquer padrão de comportamento - seja na adoção de práticas sexuais mais seguras, seja na promoção de cuidados com a saúde sexual e reprodutiva, ou ainda uma visão diferente da realidade em que vivem - tende a se distanciar cada vez mais do cotidiano dessas mulheres.
No entanto, frente ao muito que já se avançou nessa área, e considerando a situação sócio-econômica a que estão sujeitas as profissionais do sexo, é possível definir a presença de uma real assimilação de conhecimento e/ou comportamentos preventivos relacionados às DST/Aids, quando - e se - minimizadas as dificuldades de sobrevivência.
Portanto, quando inicio algum trabalho, procuro traçar um relacionamento construído com base primeiramente na aceitação, ganho da confiança delas e provisão de suas necessidades (que variam desde subsistência até assistência médico-odontológica). A partir daí, elas mesmas iniciam as ligações para meu celular, ficam apreensivas para que haja mais contatos pessoais. Convidam para as constantes visitas em suas residências ou quartos (geralmente alugados e em condições precárias), onde há a procura por aquilo que os alimentos não saciam e as roupas não vestem: A Fome de Deus e Vestes Novas dadas somente pelo Sangue de Jesus.
Por isso, meus amigos, é que iniciei esse pequeno informativo com a frase quanto mais cedo, melhor:
Quanto mais cedo houver iniciativas evangelísticas...
Quanto mais cedo houver corações que sejam sensíveis, irmãos intercessores e voltados para essa missão...
Quanto mais cedo houver restauração em Cristo para essas mulheres em situação ou risco de prostituição... melhor!
Portanto, comecemos já!

sexta-feira, 19 de junho de 2009

NORTE
Exploração sexual (garimpos, prostíbulos, portuária, cárcere privado em fazendas e garimpos);
Prostituição em estradas e nas ruas;
Leilões de virgens;
Exploração nas redes de narcotráfico (Rondônia/Acre/Amazonas/Pará);
Aliciamento de meninas nas áreas rurais.
CENTRO-OESTE
Exploração sexual comercial em prostíbulos;
Exploração sexual comercial nas fronteiras/redes de narcotráfico (Paraguai, Bolívia, Brasília, Campo Grande e cidades limítrofes com países vizinhos, além de vários municípios do Mato Grosso);
Prostituição de meninas e meninos de rua;
Rede de exploração sexual (hotéis, agências de viagem, taxistas, etc.);
Prostituição através de anúncios de jornais;
Prostituição através de falsas agências de modelo;
Turismo sexual náutico e ecológico
Tráfico de meninas para exploração sexual na Espanha (Goiânia/GO; Cuiabá/MT e Campo Grande, Dourados e Ponta Porá todos em MS).
NORDESTE
Turismo sexual;
Exploração sexual comercial em prostíbulos;
Pornoturismo;
Prostituição de meninas e meninos de rua;
Prostituição em estradas;
Aliciamento de meninas nas áreas rurais.
SUDESTE
Pornoturismo;
Exploração sexual comercial em prostíbulos/cárcere privado;
Exploração sexual comercial de meninas e meninos de rua;
Prostituição em estradas;
Pornografia infanto-juvenil através de falsas agências de modelos.
SUL
Exploração sexual comercial de meninas e meninos de rua/redes de narcotráfico;
Denúncia de tráfico de crianças;
Prostituição em estradas;
Aliciamento de meninas nas áreas rurais.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

FATORES INDIVIDUAIS: COMPONENTE PSICO-SOCIAL

A prostituta faz parte de um grupo humano que tem suas formas de vida, sua maneira peculiar de pensar e de relacionar-se, sua especial preocupação em defender-se...
1. Introdução

A prostituta faz parte de um grupo humano que tem suas formas de vida, sua maneira peculiar de pensar e de relacionar-se, sua especial preocupação em defender-se. Compartilha mecanismos de luta e de defesa ante uma sociedade que a explora, porém que ao mesmo tempo, lhe proporciona este meio de subsistência. Isto faz com que nos âmbitos da prostituição, junto à falta de integração dos grupos afetados – que chamamos desagregação -, se encontrem uma série de fatores individuais comuns.
Estes fatores individuais, podemos dizer que são:

§ Conseqüência de fatores sociais. Com a peculiaridade própria já citada, entre os fatores individuais e sociais.

§ Descrevem como é a mulher. Aproxima-nos do “seu modo de ser” e sua forma de relacionar-se.

§ E, sobretudo, nos explicam por que a mulher permanece nesta atividade.

Por último, quer assinalar que a prostituta é considerada como uma pessoa dinâmica, em processo, capaz de atingir a superação e a reconstrução de si mesma.

2. Sistema relacional

O ser humano é construtivamente relacional. Daí a necessidade de conhecer o sistema relacional da mulher prostituída. Que relações vive a mulher no núcleo sócio-familiar e no âmbito da prostituição?
Que relações estabelece posteriormente com seu companheiro, com seus filhos, com o restante da família?
Sabemos que, desde a experiência relacional básica de proteção afetiva e efetiva nos primeiros anos, vão surgir os processos de diferenciação do Eu e a consolidação de sentimentos e atitudes que condicionarão o crescimento da conduta e personalidade. Porém vemos que, nestas mulheres, um determinado estilo de relações é um elemento que, em lugar de possibilitar o crescimento, muitas vezes gera uma deterioração e desestruturação da personalidade.
Lembra-nos uma das rupturas que assinalamos no princípio e que afeta a trama social. O nascer, crescer e amadurecer numa família desestruturada, que transmite na infância relações fragmentárias, marcadas pela agressividade e o abandono, dificulta a aquisição de modelos de identificação adequados. Inclusive ocorrem em certas ocasiões, a confusão de laços de parentesco em famílias desnuclearizadas. Dita confusão não permite comunicar as referências essenciais para cimentar a vida psíquica. (Sem contar todo o tema de maus tratos físicos e psíquicos, de abusos sexuais e violações.).
Antes temos de lembrar tudo o que supõe o viver de novo a relação no mundo da prostituição. Encontramos-nos num âmbito onde a mulher é tomada como objeto. A objetivação sexual não permite a interação. Troca-se a comunicação, o afeto, a ternura... pelo dinheiro; existe uma remuneração. Podemos falar de relações comerciais em lugar de relações afetivas.
Se antes vimos que na infância não há modelos adequados de referência, agora, na realidade da prostituição, observamos que precisam de grupos de correspondência – desagregação – Daí o sentimento que expressam de pertencer a todos e a ninguém. Também se sente à necessidade de possuir alguém ou algo de quem cuidar e que lhes pertença: filho/a, cachorro, gato, companheiro... – Esta forma de enumerar, não é coincidência-.
Esta trajetória relativa vivida pela mulher configura seu modo de relacionar-se? Com a continuação podemos imaginar.

§ Relação de maternidade

Como é a relação que a mulher estabelece com suas filhas e filhos? Os filhos são um tema central em sua vida, considerados de sua propriedade. Observamos também certa dificuldade em nível de capacidades para assumir a responsabilidade como mães e para dar-lhes a educação que precisam.
Muitas vezes é algum familiar ou instituição, inclusive as chamadas “cuidadoras” – hoje em dia em menor grau – quem assumem o cuidado e educação das crianças, sendo as mães as encarregadas de proporcionar recursos econômicos. Visitando-os com certa freqüência, a mãe oferece uma relação efetiva intensa, porém instável e sem limites. Na medida em que se vai observando a necessidade de intervenção nestes bairros marginais, com recursos sociais distintos, se patenteia a integração das crianças nos Jardins de Infância e Escolas Públicas, superando os medos que às vezes as mães têm de perdê-los.
Os modelos educativos transmitidos pela escola e instituições adjacentes – casas de campo, locais de lazer... e a família, na maioria das vezes de apenas um laço de parentesco, diferem. Assim o crescimento, a educação voltam a ser desestruturado, deficiente e carente.
Comumente a mãe oculta sua atividade de prostituta, aos filhos. Há uma experiência que se dá apenas na adolescência, que eu gostaria de comentar por ser um momento crucial. Os filhos se dão conta que na vida da mãe há anomalias que até agora haviam sido mais fácil ocultar. Descobre que sua mãe exerce a prostituição. Têm vivido um nível de vida baseado em determinados ingressos econômicos de satisfações imediatas, que agora entra em conflito com o desejo de que a mãe abandone a atividade. Isto leva o adolescente a viver uma grande frustração e contradição.

§ Relação com o companheiro/marido, parceiro que convive no núcleo familiar.

Companheiro com problema semelhante. Não é fácil compreender a relação existente numa parceria, quando este permite à mulher continuar na prostituição e o aceita. Pode dar-se uma relação de igual para igual? Sucedem ser relações de domínio. Ao mesmo tempo em que a mulher “mantém economicamente o companheiro e o necessita afetivamente, este lhe oferece sua proteção e apoio com um excessivo sentido de possessão”. São relações que criam dependência afetiva. Não é fácil romper o vínculo. Apesar da relação agressiva e distante que se estabelece. Podemos pensar que existem uns defensores ou esquemas de relação que se reproduz o modelo vivido nas primeiras relações. Isto não é determinante, porem há uns fatores de risco maiores que se tornam agudos, conforme se repetem as relações.

§Relação com a família grande

Estas relações geralmente tende a se romper nos primeiros anos quando a mulher inicia esta atividade ou senão começam por distanciar-se.
O medo e a culpa vivida faz com que os vínculos familiares vão desaparecendo. Também é certo que depois de vários anos, ante a insatisfação, solidão e desamparo, volte o desejo de recuperar o perdido e estabelecer de novo os laços familiares.
Cabe assinalar que nos primeiros anos, ajudaram economicamente a família e ajudaram a melhorar sua situação. Hoje vivem dolorosamente e sentem-se sós e necessitadas.

3) Isolamento

O deficiente mundo das relações e o fechado âmbito geográfico – gueto – determina um isolamento muito peculiar (que é o ponto seguinte que vamos abordar), além da exclusão social com o estigma que caracteriza esta atividade.
A mulher vive uma fixação existencial. Seu mundo vital é totalmente recortado. Sua vida se desenvolve principalmente, no círculo onde vive e trabalha. Suas aspirações, expectativas, possibilidades, são mínimas. Também apresenta uma dificuldade para o movimento físico que reduz seu crescimento pessoal.
Por exemplo, depois de vários anos vivendo na mesma cidade, é freqüente o desconhecimento que têm dos lugares mais importantes: parques, centros cultural-recreativos... Este fator tem conseqüências muito sérias ate a possível integração social que se seja obter.



4) Autoestima: desmotivação

A experiência de marginalização afeta os dinamismos vitais, produzem uma ruptura vital. Influi diretamente na autoestima.
Sempre observamos à baixa autoestima que tem a prostituta, causada, não só pela questão do gênero – que a todas as mulheres afeta -, sendo agravada por sua própria realidade. Uma desvalorização que observamos constantemente. Sem esquecer que “a falta de expressão da sexualidade subjetiva transmite a sensação de que no interior da pessoa não se constrói nada, de que está vazia”. Pois a mulher não consegue se satisfazer sexualmente, não se entrega a nível pessoal, se subordina ao cliente, ao que ele pede, ela não nega. Se dá ma mescla de sentimentos de tristeza, culpa, sentimento de fracasso, frustração, perda de afetos, impossibilidade de fazer outra atividade, esta. Escutamos expressões que o refletem: “Ao que hei perdido tudo, não resta nada, que mais posso perder”, “o que vês é uma mascara”; “por dentro pareço com uma casa vazia”... E outro aspecto que vivem com especial impotência é a educação de seus filhos. Se perguntam: “Que os podem pedir, se eu estou aqui”.
Há um acúmulo de vivências que anula progressivamente a autoestima e nos explica a contínua desmotivação que aparece na mulher. (A motivação é imprescindível na elaboração de estratégias de atuação social).
Neste fator, também cabe assinalar: os mecanismos de defesa que desenvolve a mulher, ao ver-se obrigada a preservar seu Eu. Entre eles estão principalmente o amadurecimento de relativizar “o traumático”, “doloroso”. “A negação de tudo que as vá deteriorando – dificuldade para tomar consciência de suas deterioração”. Outro mecanismo é auto-justificativa e viver a dualidade, separação do Eu. Por último a fuga que muitas vezes as leva ao consumo do álcool, ao jogo. Elementos que agravam ainda mais sua personalidade.

5. Problema de identidade “dupla identidade”

Atualmente estamos numa sociedade onde “os modelos dominantes convidam mais a viver com um corpo fragmentado, à dupla identidade, que a uma identidade única”.
Se a isto acrescentamos os interrogadores que a todo minuto nos surgem e que Lopes Sanches formula assim: Pode a mulher prostituída dividir-se entre o trabalho, - para mim séria atividade – e a vida pessoal...? Se o núcleo da prostituição é a troca de intimidade corporal, pode esta exercer-se sem grandes custos emocionais?”“... A instabilidade emocional, uma emotividade “desproporcional que apreciamos”... tem alguma relação com as questões anteriores?
A frase que à amiúde escutamos: “aqui sou uma puta, porem fora daqui, nem me conheces, sou uma senhora"” é difícil de compreender e nos leva a um mecanismo de defesa maior que a possibilidade de separar a vida pessoal da atividade que realiza.
É certo que os diferentes tipos de prostituição: “empregadas domésticas”, alta prostituição,... baixa prostituição têm uma concepção diferente da atividade que realizam. As condições são variadas... É mais fácil separar a vida pessoal e a atividade de uma estudante que se prostitui, para conseguir ingressos econômicos, para os estudos, que a uma mulher imersa continuamente em bairro chinês. Esta última sofre uma maior deterioração, porém a divisão que padece a estudante não determina desequilíbrios posteriores? Como pode ver-se, estamos diante de um tema complexo que necessita sempre de aprofundamento.

6. Sem perspectiva de futuro

Observamos a prostituta presa no presente imediato, e que comumente chamamos “viver o dia”. É certo que o passado lhe doe e trata de esquecê-lo, olvidá-lo. Às vezes que conserva certa nostalgia de “se pudesse voltar atrás”, “se soubesse”..., etc. E o futuro é um mar incerto, sua perspectiva de futuro á irreal, não conduz a uma implicação real dela mesma. Esta dificuldade de projeção do futuro o “ideal do Eu”, é compreensível si nos recordamos do tema da identidade e da vivência do Eu real que tem uma prostituta.
Encontra-se num círculo que a envolve: ganha dinheiro, o gasta num dia, necessita de novo e a vida está toda ela girando ao redor da atividade que desenvolve. Sua escala de valores necessidades, aspirações... é cada vez mais restrita. Quando tem um desejo de troca, sua dificuldade para alcançá-lo produz uma sensação de fracasso, culpa impotência, insatisfação, notória. Este “sentir-se presa” leva-a a uma postura resignada: “sempre terei que estar aqui”, é uma frase que a mulher verbaliza amiúde.
As conseqüências desta situação afetam progressivamente sua personalidade.

7. Imagem

A atividade a que se dedica à prostituta requer cuidado da imagem para seduzir e “vender o produto”. Este cuidado está motivado, em múltiplas ocasiões, pela atividade da prostituição, e em menor grau, por suas próprias necessidades, qualidade de vida e saúde em geral, É um dos elementos que serve à sociedade para identificar e talvez “ridicularizar a mulher”... Porém é necessário, penetrar nas conseqüências que produz nela a excessiva atenção deste gesto em detrimento de outros.
E assim, quando vão passando os anos e começa a perceber o sinais próprios da velhice, o vive com grande sofrimento, não lhe é fácil assumir as deficiências. Um aspecto prioritário da pessoa durante sua vida, decai e termina problemático pelo lugar que ocupa na escala de valores.
Inclusive não é hora de entrar no tema, mas gostaria de recordar a dificuldade de assumir a imagem corporal que têm aquelas pessoas que trocam de sexo – transexuais – e exercem a prostituição.

8. Drogas, álcool, AIDS.

Somente como uma divisão supracitada, menciono estes três aspectos por sua influência no âmbito da prostituição há muitos anos.
A prostituição é o meio utilizado por algumas jovens toxicômanas para conseguir recursos econômicos para comprar a droga.
A droga tem produzido trocas nos bairros onde se exerce a prostituição de rua. De tal maneira, que há zonas específicas para a toxicômanas, onde também em conseqüência, há pontos de venda. Determina uma maior insegurança e, por conseguinte, uma oposição do entorno social e da própria prostituição clássica.
Não pode dizer-se o mesmo do consumo de álcool. Enquanto a jovem toxicômana se prostitui para manter sua adição à droga, o álcool é consumido pela prostituta, uma vezes porque o requer o exercício mesmo da prostituição e outras, como paliativo que a impulsiona a enfrentar a atividade. É fácil escutar este comentário: “há coisas que estando bem não faria, e com alguns copos fico mais decidida, com mais coragem.”.
Em certa medida, a prostituição, inclusive a clássica, requer o consumo de álcool. A mulher deve levar o cliente a beber, pois os bares e locais de espera, assim o exigem. É mais um problema para a mulher.
AIDS – é uma enfermidade que a prostituta vive com preocupação. a forma de conceber e situar-se a mulher ante esta enfermidade não é a mesma hoje que há alguns anos. Sua consciência de prevenção é maior.
E já que é uma causa de discriminação para a mulher a convicção de que seguimos considerand0-a causa excessiva de contágio, cito a afirmação que F. Bayés faz em seu livro AIDS e Psicologia: “talvez valha a pena recordar, devido à tendência social existente para culpar as prostitutas que em muitas ocasiões, são os clientes os verdadeiros culpados da difusão do HIV com sua exigência de manter relações sem preservativo”.
Uma análise objetiva da prostituição requer ver o cliente com um fator necessário. Isso implica que ele não pode continuar no anonimato. Deixá-la a margem supõe uma visão unilateral do problema.
Para finalizar, diremos que a análise realizada mostra que existem uma série de fatores de ordem estrutural, como são o econômico, sócio-político, ideológico e cultural. Todos eles influem e determinam o fenômeno da prostituição. Portanto as estratégias de intervenção devem dirigir-se e incidirem nesta situação global.
JIMÉNEZ Ângela Corduente. OSR La mujer marginada cuestión de género, no de sexo, 1995,PS. Editorial-Madrid,P.40-47.

terça-feira, 26 de maio de 2009

SINTO VERGONHA E NOJO DO QUE FACO. ESTOU COMETENDO UM GRANDE PECADO

*O nome é trocado, claro para que preserve a identidade da entrevistada
SHEILA*, 33, tem duas filhas e sonha em sair da noite

A vida que levo é humilhante.
Quando me deito com um cliente, sinto nojo dele, de mim. Estou cometendo um pecado. Não está certo ganhar dinheiro assim.
Eu me casei e morei até 1996 em Miranda. Lá tive uma filha, que hoje tem 16 anos, e eu era enfermeira. Depois mudamos para Campo Grande e precisei estudar para continuar na enfermagem. A gente não tinha dinheiro e tomei a decisão errada.
Fui para a noite sem que meu marido soubesse. Dizia que ia trabalhar em um hospital dia sim, dia não. Pegava um ônibus e ia fazer ponto em uma esquina na Saída pra São Paulo, onde trabalho até hoje.
Resolvi me prostituir fora dda cidade para não correr risco de ser reconhecida. Toquei a vida assim por cinco anos. Há três anos fiquei grávida de novo, do meu marido. Meu casamento já ia mal e desabou. Antes de minha filha nascer, nós nos separamos. Tive o bebê e caí na noite por causa de dinheiro.
Hoje já estou trabalhando como enfermeira e pretendo deixar a prostituição logo. Mas ainda não tenho serviço garantido e estou cheia de contas para pagar.
Por isso continuo fazendo ponto uma ou duas vezes por semana. Cobro R$ 80 por saída, que dura uma hora.
Tiro R$ 600 R$ 800 por mês, depende da sorte. As prostitutas que conheço só estão na noite porque precisam de dinheiro e não têm outra saída.
Não gosto do que faço, tenho vergonha.
Ainda não sou evangélica, mas, vi que tenho que recorrer a Deus para sair dessa. Tenho fé que vou conseguir criar as minhas filhas com um trabalho digno.
Nunca ouvi falar do projeto do Gabeira, só sei que a prostituição é legalizada na Alemanha.
Sou totalmente contra: que lei pode permitir uma mulher de vender seu corpo?

Como a Prostituição anda pelas cabeças do Senado Brasileiro

LEI E SEXO - A profissão mais nova do mundo


A PROSTITUIÇÃO DEVE SER REGULAMENTADA NO BRASIL?

Quem defende a proposta se apóia na idéia de que, ao dar transparência ao mercado do sexo, as prostitutas ficarão fortalecidas. Quem condena acredita que elas estarão sujeitas a mais exploração
Em alguns países, a prostituição já é tratada como qualquer negócio. A novidade é que a questão começa a ser discutida no Brasil. Quem abre o debate é o deputado federal Fernando Gabeira, autor de um projeto de lei que regulamenta a atividade e o comércio, hoje ilegal, em torno dela. Assim, bordéis e exploradores de mulheres funcionariam fora do crime. A psicóloga Nalu Faria, coordenadora de uma ONG voltada para os interesses da mulher, critica o projeto. Acredita que quem explora a prostituição ficará ainda mais fortalecido.

A revista Marie Claire convidou Fernando Gabeira e Nalu Faria para debater essa polêmica de difícil conclusão. A seguir, os melhores trechos das entrevistas.

NA HOLANDA, A PROSTITUIÇÃO É LEGAL HÁ QUATRO ANOS,MAS NÃO BENEFICIA AS IMIGRANTES - LUTA POR DIREITOS IGUAISFERNANDO GABEIRA, deputado federal (sem partido, RJ)

MC O que é o projeto de regulamentação da prostituição?
FG É a garantia de que os serviços sexuais sejam pagos. A prostituição seria uma prestação de serviços e as prostitutas teriam contrato de trabalho e plano de saúde.

MC Elas teriam direito a aposentadoria, férias, fundo de garantia?
FG Elas já podem contribuir com a Previdência, como profissionais do sexo, sendo autônomas. Mas deveriam ser registradas, ter salário, para ter os mesmos direitos de profissionais regulamentados.

MC E a situação das prostitutas que fazem ponto em esquinas?
FG Elas poderiam se tornar autônomas e formar cooperativas de trabalho para se fortalecer.

MC O projeto prevê que o pagamento pela prestação de serviços sexuais seja equivalente ao tempo em que a prostituta ficar disponível. Como isso vai funcionar?
FG Se ela for contratada para ficar duas horas com um cliente, receberá o equivalente a esse tempo. Se o cliente só quis conversar com a prostituta, deverá pagar pelo tempo que ficou com ela. Isso pode funcionar com um contrato, que pode ser verbal ou não, seguindo o mesmo padrão de um técnico que cobra por hora.

MC Como é possível controlar a jornada de trabalho?
FG Existem variáveis. No caso daquelas que trabalham em bordéis, pode existir um salário fixo, que independa do número de pessoas com quem ela saia, e comissões combinadas com o dono do estabelecimento. Na Alemanha, onde esta questão está amadurecida, existem lugares em que a prostituta trabalha com um piso salarial e ganha comissões, como se fosse um comerciante.

MC O que o levou a fazer o projeto?
FG Fiquei entusiasmado com idéias semelhantes avançando em outros lugares do mundo, como na Alemanha. Claro que não comparo a sociedade alemã com a brasileira. Mas achei que era possível introduzir essa questão no Brasil porque aqui há problemas sérios enfrentados pelas prostitutas. Elas podem ser vítimas de violência, passam por dificuldades. A aposentadoria, por exemplo, é vital para elas. Muitas, ao envelhecer, acabam se sujeitando a riscos maiores, como dispensar o uso do preservativo para não perder o cliente.

MC Qual é o seu envolvimento com o assunto?
FG Nasci e me criei em Juiz de Fora [MG], perto de um lugar em que prostitutas trabalhavam. Foi assim que passei a entender um pouco melhor a vida delas. Não mitifico as prostitutas como Jorge Amado, mas também não tenho uma visão preconceituosa. O fato de introduzir a discussão já dá a elas um pouco mais de força.

MC O seu projeto propõe a revogação de três artigos do Código Penal. Um deles tira do crime o homem que explora mulheres. Ele não estará sujeito a pena?
FG Qualquer pessoa que explore outra está sujeita a pena. Trabalho escravo está sujeito a pena. O que esse projeto permite é a instituição de um empresário ligado às prostitutas. O empregador não seria penalizado.

MC O projeto, então, institucionaliza o explorador de mulheres?
FG Essa figura já existe, mas será submetida a constrangimentos legais. Terá de prestar contas sobre o seu trabalho.

MC O projeto permite o funcionamento de bordéis, hoje um negócio ilegal. A idéia é criar locais para as prostitutas trabalharem?
FG Não é criar locais, mas não impedir que existam.

MC O senhor propõe ainda a revogação do artigo penal que se refere ao tráfico de mulheres. Acredita ser possível livrar do crime quem promove tráfico humano?
FG Claro que não. Obviamente não sou a favor do tráfico de mulheres. Isso deve ser bem explicado para não dar margem à incompreensão. Proponho a revogação desse artigo só por uma razão de ordem técnica: a legislação brasileira já prevê o crime de tráfico de pessoas. Qualquer tráfico de pessoa, seja mulher, homem ou criança, está no Código Penal. Tanto é crime levar mulheres para se prostituírem na Espanha quanto encaminhar qualquer outro trabalhador para os Estados Unidos e empregá-lo clandestinamente. Caso a prostituição seja regulamentada, o artigo específico perde a razão. O tráfico de mulheres continuará a ser punido, mas dentro do contexto de tráfico de pessoas.

MC Uma crítica ao projeto é que ninguém vira prostituta por opção.
FG Não concordo. Realmente as condições sociais têm um papel fundamental. Mas conheço mulheres que, mesmo não tendo se tornado putas por opção, desejam continuar na atividade. É uma objeção paternalista, como se elas esperassem para ser recolocadas na vida normal da sociedade. Se quiserem, ótimo. Mas não vejo razão de impedi-las de fazerem o que querem.
MC Tirando do crime o explorador de mulheres e os bordéis, não acha que a proposta vai beneficiar mais quem opera na ilegalidade?
FG Pelo contrário. A minha preocupação, e também a dos alemães, foi fortalecer as mulheres em relação aos empresários. Mas, se os empresários não forem regulamentados, daremos a chance apenas de existirem cooperativas, e mesmo uma cooperativa tem o seu presidente. Esse projeto pode beneficiar o empresário na medida em que ele entra na legalidade. Isso significa que ele estará sujeito à fiscalização, por exemplo, dos Ministérios do Trabalho e da Saúde. A proposta é permitir que existam, mas obrigando-os a atuar dentro da lei.

MC Na Holanda, onde a prostituição já é regulamentada, a crítica que se faz é que o submundo virou uma atividade legal.
FG Os holandeses têm uma visão mais realista da questão. Não acham que vão acabar com a prostituição. Pensam que, com a regulamentação, as prostitutas passam a sofrer menos riscos.

MC Quais os pontos mais polêmicos do seu projeto?
FG São três. O primeiro é a objeção feita por um grupo onde estão os católicos e os evangélicos. Eles dizem que a prostituição tem de acabar e um projeto desse tipo tende a perpetuá-la. Existem também os românticos, que acham que a relação sexual deve ser feita só entre os que se amam. O terceiro ponto é defendido pelos paternalistas, que acham que as mulheres só estão nisso porque não foram recolocadas em outra atividade.

MC Como vê a resistência ao seu projeto?
FG É compreensível. O Brasil é o maior país católico do mundo. Mas é a primeira vez que um projeto como esse tem a chance de ser discutido aqui. Tenho a esperança de levá-lo ao plenário até o final do ano.